A energia do peido
- Quintal de Aruanda
- 3 de mai. de 2018
- 4 min de leitura

Um peido. Aqueles que escondem a própria podridão riem, porque sempre é mais fácil rir do podre alheio, do que ter coragem de perceber o próprio fedor. Riem porque veem na palavra algo como um palavrão, como as crianças que riem diante de uma palavra feia ou proibida. Um peido. Atestado do nosso lado humano e animal, de um aparelho digestivo que funciona, um mero organismo vivo que necessita de alimento e depois elimina o que não necessita mais, mostrando que a natureza tem seus ciclos, por mais estúpidos que possam parecer, faz parte, é perfeição.
Queremos ser sublimes, mas ainda necessitamos sentar na privada. A privada é também o que nos faz iguais. Assim como o cemitério, ali não tem posses ou títulos, os pequenos e os grandes do mundo, terminam por igual, na privada ou na sepultura. Mesmo se for da mais alta porcelana ou apenas um buraco na terra, é o que nos torna humanos e quando se estar por cima, é preciso se lembrar das necessidades básicas, antes de ser diferentes, somos todos iguais.
Um peido. Há os que torcem o nariz... mas um peido pode ensinar muita coisa. Pode ser um ato de coragem para alguns, de libertação para outros e de desespero para muitos. Quem dera fosse o peido aquilo que há de mais podre em nós. Se fosse, estaríamos todos salvos, não é? Um peido pode ser transformador em narinas não acostumadas ao cheiro íntimo dos outros. Ou pode ser a denúncia da dieta e das escolhas de alguém. Tantos alimentos para diferentes bocas. Queremos tanto, mas no fundo não precisamos de muito.
Como temos alimentado o nosso corpo, a nossa alma e nossos desejos? Como temos alimentado a nossa energia? Será que se fazer uma análise íntima e criteriosa, cada um suportaria o próprio peido? Reclamar do cheiro, quer dizer, peido alheio, é fácil. É fácil para aqueles que peidam apenas quando estão sozinhos ou aqueles que seguram ao máximo, para que ninguém saiba que no fundo, ele ou ela peidam.
A energia do peido, se é assim que posso dizer, pode ser transformadora. Onde só há cheiro de rosas, ela lembra que há um outro lado. Dependendo quem é o dono do ato e com que escolha de sobrevivência tem feito, ela pode ser devastadora e até tóxica? Não sei, nunca escutei alguém que tivesse morrido por não suportar um aroma desagradável que veio do interior de alguém. Em forma de peido, suportaríamos o outro lado do outro? O lado que aparece só quando as cortinas fecham.
Peido, pum, flatos, quanto enfeite para falar de algo tão simples, que beira o banal. Que palavra ridícula, não? Que palavra sem nexo e tão contrária a moral e os bons costumes, contrária a espiritualidade, tão contrária ao trabalho de caridade e reforma Íntima. Se falar sobre peido causa tanto incômodo, como falar então de orgulho, vaidade, egoísmo, egocentrismo, ciúme, inveja, da maldade e da hipocrisia? Pois é, quem dera o peido fosse aquilo que há de mais podre em nós.
Um peido pode ser transformador. Por mais que exista o "nojinho", por mais se torça o nariz, o cheiro já foi inalado. Por mais que se julgue e repreenda o ato, o peido acaba por expor essa nossa condição humana. Expõe aquilo que não se quer mostrar e diz muito mais do que um cheiro ruim. Por que será que é preciso muita intimidade para peidar na frente de alguém? Por que não se peida em começo de relacionamento? Por que algumas pessoas se desapaixonam quando descobrem a América ao saber que o outro ou a outra peidam? Quer dizer, também peidam. Roncam. Que são de determinado jeito e que pensam de tal forma. Para alguns não é fácil ver ruir a imagem criada desse outro com tanta perfeição, em cima de um pedestal e de repente, aquele ser ilusório, quase que perfeito, que só existia dentro da cabeça do criador, logo cai por terra quando se descobre que o outro é apenas o que pode ser e ainda peida.
E sim, peidos incomodam! Quase um estupro em narinas distraídas, que são pegas de surpresa por cheiros inimagináveis e muitas vezes terríveis. Há aqueles que não peidam, pelo menos é o que dizem, mas gostam de apontar. Se vestem de um puritanismo que pouco convence, ocupando os olhos dos outros somente com aquilo que é belo, apresentando só um lado da face, para que não se veja o outro, como se a mensagem fosse: Olhe só para essa parte de mim, não olhe além. Querem ser luz aos olhos dos outros, mas que em segredo, um peido, seria uma bênção perto dos comentários maldosos e dos julgamentos.
Uma simples pergunta: Se sua alma, com todas suas nuances e os pensamentos que costuma ter, com aquele seu "eu" que é em segredo e que aparece quando está só, quando a última porta se fecha atrás de você ou mesmo quando deita a cabeça no travesseiro, se o seu íntimo pudesse ter cheiro, qual seria? Vamos ser civilizados, há muita gente que nega o peido, você teria o que negar? Se sua energia pudesse sair em forma de cheiro, o que ela causaria no ambiente? Quem se sentir ofendido pela pergunta, já termina por demonstrar o pudor em olhar para dentro e ver o quanto podemos nos enganar.
Por: Um filho do Quintal.
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