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Anotações - parte 1

  • Foto do escritor: Quintal de Aruanda
    Quintal de Aruanda
  • 2 de mai. de 2018
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de jul. de 2018


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A mãe de santo, por meio de um vídeo no Youtube, tenta passar um pouco do seu conhecimento para quem assisti. Logo de início questionei sua capacidade pela primeira palavra dita: “candombré”! Como pode alguém querer ensinar algo se nem ao menos consegue dizer corretamente o nome da religião, questionei. Mesmo assim, resolvi assisti-lo até o final.


No vídeo ela explicava alguns conceitos sobre religião, mas o que vale destacar, para dar entendimento a esse texto que escrevo, e o que só foi fazer sentido para mim depois de algum tempo, é a cantiga em yoruba cantada e ilustrada de maneira muito sábia. Mais para o final do texto explico melhor.


...


Com a dificuldade de concentração, que já me é um hábito, olho ao meu redor e começo analisar. Mesmo tentando não o fazer. Analiso. É algo natural em mim, um costume que as vezes me proporciona momentos ricos de reflexão, mas também me traí quando olho para o outro com olhar de julgamento.


Quase à minha frente, um pouco para esquerda, sinto algo que transcende a capacidade de analisar e explicar as coisas. Sim, minha experiência acadêmica me trouxe outro hábito, o de querer conceituar tudo, até mesmo aquilo que não posso, não sei ou não entendo. Sem querer fazer uma referência ao médium, o qual aprendi admirar bastante, eu diria que é um CONHECIMENTO milenar, como se aquela manifestação fosse detentora de informações acumuladas durante milhares de anos. Seria isso? Uma metáfora, que nem sempre faz sentido de imediato; uma explicação na hora certa; ou, um silêncio bem colocado. Sempre com senso de JUSTIÇA, sem fazer distinção de ninguém. Quando o analiso, me vem à cabeça o trecho da música do Legião Urbana, referência ao Mistério da Santíssima Trindade, que simbolizamos com o sinal da cruz: “quem me dera ao menos uma vez, entender que o mesmo Deus ao mesmo tempo é três”. Deve ser um pouco daquilo que ainda não entendo.


Exatamente a minha frente, do outro lado do salão, sinto a difícil energia da paciência. Digo que é difícil, pois para alguém ansioso como eu, PACIÊNCIA é artigo de luxo. Vejo os trejeitos um senhorzinho, sentado no seu toco, olhando o mar calmo. Dizem que mar calmo não faz bom marinheiro... (risos)..., com paciência faz sim. Marinheiro que veste branco e as vezes preto. Se a paciência é algo que não afinizo muito bem, a SINCERIDADE desse “nego” é algo que me enche os olhos, como se eu tivesse sentado ao seu lado olhando para o mar calmo.


Olhando mais para direita, à primeira vista, é uma vovózinha miudinha, voz fina e risinho minimalista. Mas se fecho os olhos, sinto a grandeza da mulher, uma nega forte e empoderada, que representa muito bem a FORÇA do feminino. Tem aí uma GUERREIRA, com o cheiro bom do café, forte e doce.


No canto direito, enxergo um pouco de dualidade. Não no sentido negativo de confusão, mas no complemento das forças. Uma energia DOCE e calma como a água do rio, que conforta, acolhe e cura. Em horas, um FEL pilintroso, forjado no poder das palavras ácidas e extremamente sinceras. As vezes julgo como sincericídio, mas talvez eu também apenas ainda não compreenda. Por momentos apresenta-se os dois, unindo a inocência e um pouco de malandragem infantil, traduzida em brincadeiras e traços coloridos em uma folha de papel. Parece simples, mas ali vejo a complexidade de um trabalho importante, necessário para comunicação entre os planos.


Contínuo a percorrer o salão com os olhos. Agora vejo outra nega. Cruzamos o olhar! Sinto o AMOR na sua forma mais pura. Chamaria de “morzão” ... (risos). Nela, vejo SABEDORIA e poesia nas palavras. Como se o que dissesse, rimasse com o que sinto. Tem no jeito o respeito a ancestralidade, o infantil, a delicadeza feminina, o masculino firmado na voz alta e grossa. Mais macho que muito homem.


No centro do salão, enxergo nitidamente a HARMONIA da casa. Sendo os orixás a força da natureza, sinto ali a representação perfeita disso. É como se naquele sorriso de cabocla, encontrasse a paz do mundo. Puro EQUILÍBRIO. As mãos que curam. O encantamento do simples e do humilde, transbordando energia por todos os lados.


Do meu lado, sinto a energia do MISTÉRIO. É como se sentisse tudo o que senti com os demais, só que de uma maneira bem mais complexa. Nele, consigo entender que na escuridão também existe a LUZ. Talvez isso explique porque sinto a energia desse “nego” tanto nos trabalhos de direita, como nos de esquerda. Também, sinto o masculino e o feminino em harmonia. Me reconheço aqui. Me vejo nessa cabeça inquieta, sistêmica, cheia de pensamentos, palavras, dúvidas, medos e sentimentos.


Ao lado de cada uma dessas manifestações existem mais pessoas. Cada uma com um papel importante na corrente. Com dificuldades, medos e dúvidas. Não diria com seus acertos, porque isso faria um contraponto ao errado, que ao meu ver é muito subjetivo, mas sim também com seu caminho no processo de evolução espiritual. Olhando para elas me vejo. Analisando-as também consigo me analisar. Seria o olhar para o outro uma forma de autoconhecimento? Seria esse o princípio da caridade?


Depois de analisar tudo isso, me olho. Me vejo. Consigo entender, mesmo sem conseguir explicar, o porquê de toda de segunda-feira me vestir de branco. Sinto. Principalmente sinto! Me sinto parte. Me sinto todo. Entendi que não existe receita certa para o exercício da caridade. Isso depende muito da compreensão individual, para quem pratica e para quem recebe. Pode acontecer não só pela doação material, mas também por meio da doação do respeito, da boa vontade, do amor, da sabedoria do conselho, da simples empatia ou até mesmo da companhia do silêncio. Por fim, a maneira não importa, o importante mesmo é praticar. Caridade não é um fim em busca da redenção final, não é um conceito, mas sim um meio, é uma maneira de viver.


...


Ah! A cantiga do vídeo sobre o “candombré”! Com três penas na mão (azul, vermelha e branca), a mãe de santo cantando em yoruba dizia mais ou menos assim: A pena azul não precisa ter inveja da pena vermelha, porque ela já é dona do azul. A pena vermelha não precisa ter inveja da branca, porque ela já é dona do vermelho. E a branca não precisa ter inveja da pena azul, porque ela já é dona do branco.


O que aprendi com isso? Aprendi que cada um tem seu papel, sua maneira de ver as coisas, de sentir e reagir. Não cabe a nós julgarmos. Temos sempre que ter a humildade de respeitar o outro, por mais diferente que pareça ser.


Para finalizar, entendo que o bem é o bem em qualquer lugar. De maneira simples, religião é como se fosse uma camiseta... cada um veste aquela que te serve melhor.


Por: Um filho do Quintal.

 
 
 

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